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No Blog Articulação de Esquerda |
Esta é a tese apresentada pela tendência petista Articulação
de Esquerda ao 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores.
A inauguração popular da transposição do rio São Francisco,
o Dia Nacional de Mobilização e Paralisação contra o fim da aposentadoria e o
Dia Internacional da Mulher são os exemplos mais recentes a confirmar qual é o
nosso caminho: a mobilização da classe trabalhadora brasileira em defesa dos
direitos ameaçados pelo golpismo, a luta pelo Fora Temer e por Diretas Já, a
conquista de um novo governo encabeçado pelo presidente Lula, acumulando forças
para um Brasil democrático-popular e socialista.
Não é um caminho fácil. O Brasil vive uma profunda crise
econômica, social e política. A principal causa desta crise é a ação das forças
golpistas, que desde 2011 até hoje implementam uma ofensiva contra Dilma e
Lula, contra o PT e o conjunto da esquerda política e social, contra os avanços
ocorridos no país a partir de 2003, contra os dispositivos sociais da
Constituição de 1988, contra a Petrobrás e contra a Consolidação das Leis do
Trabalho, contra os direitos do povo, contra as liberdades democráticas, contra
a soberania nacional, contra a integração regional e contra nossa participação
nos BRICS.
Não vivemos tempos fáceis para quem defende a democracia, o
bem estar social, a soberania nacional e o socialismo. A crise no Brasil
coincide com a ofensiva da direita na América Latina e Caribe, com o
crescimento do populismo de direita na Europa e nos Estados Unidos, com a crise
econômica mundial e com as ameaças de guerra. Nestes tempos, só há uma saída
para a classe trabalhadora: a organização, a mobilização e a luta. Nestes
tempos, só há um lugar para o Partido dos Trabalhadores: com a classe
trabalhadora e a maioria do povo brasileiro. Razão de ser de sua criação e
existência.
A nosso favor, um fato cada vez mais evidente: o governo
golpista de Temer é frágil e impopular. Mas o golpismo vai muito além do
usurpador: tem apoio do grande empresariado, dos grandes meios de comunicação,
da cúpula do judiciário e da alta burocracia de Estado, dos partidos de
direita, da maioria do Congresso Nacional –como se viu na votação da
“terceirização”. A crescente insatisfação popular, alimentada pelo envolvimento
dos golpistas com todo tipo de corrupção, leva aqueles setores a discutirem
alternativas, entre as quais substituir Temer por um presidente eleito
indiretamente pelo Congresso Nacional, adotar o parlamentarismo e impedir Lula
de disputar a próxima eleição presidencial.
Contra o golpismo, contra o governo ilegítimo e também
contra todo tipo de “golpe dentro do golpe”, nossas respostas são:
Nenhum direito a menos: organização, mobilização e luta da
classe trabalhadora, combinando lutas setoriais com a greve geral, para
defender os direitos ameaçados pelo programa golpista. Esta é a principal
tarefa da Frente Brasil Popular e de outras organizações, da Central Única dos
Trabalhadores e de outras centrais sindicais, da Central de Movimentos
Populares e de outras organizações populares, do Movimento Sem Terra e demais
movimentos camponeses, da UNE, UBES e todas as entidades estudantis e de
juventude, das organizações de mulheres, negros e negras, LGBT e povos
indígenas;
Fora Temer, Diretas Já: não reconhecemos a legitimidade do
governo golpista. Defendemos a antecipação imediata das eleições presidenciais.
As medidas golpistas devem ser revogadas pelo governo legitimamente eleito;
Brasil urgente, Lula Presidente: início imediato de uma
mobilização nacional para que Lula volte a governar o Brasil, sustentado por
uma frente popular vertebrada pelos partidos de esquerda e pelos movimentos
sociais, apresentando um programa de emergência para tirar o país da crise,
revogando as medidas do governo golpista e implementando um programa de
reformas estruturais.
No período 2017-2018 não ocorrerá o mesmo que ocorreu em
2001-2002. Prevalece na classe dominante a disposição de não permitir uma novo
governo encabeçado por uma presidência petista. Apesar disto, o agravamento da
crise política, social e econômica tende a produzir defecções e cisões no bloco
golpista. Mas não se deve conferir a estas defecções um sentido estratégico.
Como se viu entre 2003-2016, os diferentes setores da classe dominante não têm
compromisso com um projeto de transformação social, não importando se através
de reformas estruturais radicais ou através de políticas públicas
gradualistas. Por outro lado, aprendemos
com a experiência de governar o Brasil: não basta melhorar a vida do povo
através de políticas públicas. É preciso fazer reformas estruturais. Reformas
que não serão apoiadas por nenhum setor da classe dominante Por tudo isso,
nosso caminho para vencer e para governar depende de recuperarmos nosso apoio
junto à classe trabalhadora, através da mobilização e da luta por um programa
claramente de esquerda, numa demarcação política e simbólica muito forte com o
golpismo, com o neoliberalismo e demais projetos conservadores, para que a
classe trabalhadora – especialmente os setores críticos e descontentes conosco
— perceba claramente as diferenças e se organize para defender as mudanças
profundas que o Brasil necessita. Por tudo isto, podemos e devemos aproveitar
as divergências existentes e que venham a surgir no interior do golpismo, mas
sem nenhum tipo de ilusão ou concessão que prejudique nosso esforço principal:
conquistar, dar coesão, colocar em movimento e luta a classe trabalhadora e as
maiorias populares.
É possível derrotar e derrubar o governo golpista. É
possível antecipar e vencer as eleições presidenciais. Mas nosso Partido e a
esquerda brasileira não devem minimizar as dificuldades. Os golpistas usarão
todos os meios — luta ideológica, luta política, repressão — contra a esquerda,
para implementar o programa da “ponte para o futuro” e, principalmente, na
operação de cerco e aniquilamento que movem contra Lula e o PT. O objetivo dos
golpistas é vencer as eleições presidenciais de 2018, tentando assim legitimar
o golpe e criar as condições para um longo período de hegemonia das forças
reacionárias.
Por estas razões, os anos de 2017 e 2018 são fundamentais.
Nesta janela de tempo, podemos obter uma importante vitória tática — derrotar e
derrubar o golpismo, disputar e vencer com Lula as eleições presidenciais,
criando as condições para retomarmos a ofensiva por um Brasil
democrático-popular e socialista. Daí a importância de combinarmos, num só
movimento, a luta em defesa dos direitos, o Fora Temer, as diretas já e a
campanha Brasil Urgente, Lula presidente.
A candidatura, a campanha, a eleição e um novo governo de
Lula são parte fundamental deste movimento. Motivo pelo qual os golpistas farão
de tudo para impedir que Lula possa ser candidato, possa fazer campanha, possa
vencer, possa tomar posse e possa governar. Não devemos descartar, por exemplo,
manobras como a eleição indireta de um substituto para Temer e/ou a adoção do
parlamentarismo. A campanha Lula, neste sentido, é também um instrumento
importante para garantir a realização, o quanto antes, das próximas eleições
diretas presidenciais. O crescimento do apoio à candidatura de Lula é, além
disso, um fator que inibirá quem deseje interditar sua candidatura através de
algum casuísmo jurídico.
Entretanto, o Partido e a esquerda brasileira precisam ter
claro que a campanha, a eleição e um novo governo Lula não resolverão — por si
só – lacunas programáticas que ficaram evidentes entre 2003 e 2016. Entre estas
lacunas, destacamos a necessidade de uma Assembleia Constituinte, de derrotar a
ditadura do capital financeiro sobre a economia nacional, de quebrar o
oligopólio da mídia, de realizar uma reforma tributária e demais reformas
estruturais. Tais lacunas poderão serão preenchidas apenas se houver um alto
nível de consciência, organização e mobilização popular e de esquerda; e se
mudarmos a relação entre o governo, a mobilização popular, o legislativo, o
judiciário e os meios de comunicação.
Este é o maior desafio do 6º Congresso do Partido dos
Trabalhadores: realizar um 6º Congresso Nacional capaz de analisar o cenário
internacional e nacional, fazer o balanço dos governos nacionais petistas,
formular uma nova estratégia política e um novo programa, alterar o
funcionamento do PT e nossa organização partidária, precisar nossa tática
frente ao governo golpista e em defesa dos direitos do povo brasileiro, nossa
relação com os diferentes setores democráticos, populares e de esquerda. Uma
orientação estratégica capaz de apontar novos caminhos para derrotar a direita,
para recuperar o apoio da classe trabalhadora, para atuar na nova situação
criada no país, na América Latina e no mundo. Uma orientação estratégica que
explique porquê um governo eleito em condições tão difíceis precisa ser capaz
de fazer mudanças mais profundas do que as feitas entre 2003-2016; e apontar
como isto pode e deve ser feito. Noutras palavras, o 6 Congresso do Partido dos
Trabalhadores precisa ser capaz de apontar qual campanha Lula e qual Partido
dos Trabalhadores são necessários neste momento histórico.
Ao realizar o 6º Congresso, o conjunto do PT e dos petistas
tem plena consciência de suas responsabilidades. Assim como fomos depositários
de imensas esperanças, também fomos causa de imensas frustrações. O debate
congressual é momento de separar o joio do trigo, combinar crítica e
autocrítica, reconhecer nossos erros e reafirmar nossos acertos. A análise
crítica da experiência dos últimos anos e décadas serve tanto para corrigir os
erros quanto para aperfeiçoar e aprofundar os nossos acertos. Certamente
haverá, entre nossos inimigos e adversários, quem buscará se aproveitar desta
ou daquela frase para atacar nosso Partido. Não importa: quem está seguro da
justeza de sua luta, não teme a autocrítica. Ademais, reconhecer os erros e
ajustar contas com práticas e concepções errôneas é, para um partido de
esquerda, um processo de aprendizagem coletiva, algo que devemos à classe
trabalhadora, ao povo brasileiro, às gerações que lutaram antes de nós e
especialmente às que virão.
O 6º Congresso do PT não é um ponto final; é uma etapa
importante do processo que levará a classe trabalhadora, as forças populares,
democráticas e de esquerda, a governar novamente o Brasil e a fazer disto um
ponto de apoio de nosso caminho para o poder. Aos amigos que dizem que “passou
o tempo do PT”, respondemos com paciência: se isto fosse verdade, a classe
dominante brasileira não teria como a maior de suas prioridades atacar e tentar
destruir nosso Partido. Aos inimigos que pretendem nos destruir, contestamos
com vigor: como de outras vezes, a esquerda brasileira saberá dar a volta por
cima e retornar mais forte e comprometida com a luta por uma sociedade sem
opressão nem exploração, o socialismo.
Defender o povo e derrotar o governo golpista
O golpe de 31 de agosto de 2016 não foi contra Dilma, nem
contra o PT: foi contra o povo brasileiro. Prova disto é que o golpismo ataca
salários e direitos; agride e ameaça as liberdades e conquistas democráticas;
além de subordinar a política externa brasileira aos Estados Unidos, nos
afastando da integração regional e dos BRICS.
Os golpistas tentam anular os aspectos positivos da
Constituição de 1988, em especial o ensino público e gratuito em todos os
níveis, o Sistema Único de Saúde (SUS), a Assistência Social e a Previdência
Social e Universal. Querem privatizar a Petrobrás e entregar as reservas do
Pré-Sal de mão beijada para petrolíferas estrangeiras. Pretendem destruir os
avanços econômicos, políticos, sociais e culturais iniciados em 2003. Com a
reforma trabalhista, tentam até mesmo desmontar a legislação social que vem dos
anos 1940. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 (ex-PEC 241 e 55),
querem congelar por duas décadas o investimento social, impedindo qualquer tipo
de política de distribuição de renda e bem-estar através de políticas públicas.
O golpismo repercute nos programas de ajuste e repressão
adotados por governos estaduais e municipais, na atividade legislativa nos três
níveis, na ação de diversos instrumentos e aparatos estatais e paraestatais,
com destaque para os parlamentos, as polícias, o judiciário e os meios de
comunicação.
O golpismo produz efeitos no plano das ideias, da cultura,
da comunicação, da educação e da religiosidade, num sentido reacionário que
está presente também em outras regiões do mundo. O golpismo ataca a classe
trabalhadora e o conjunto dos setores populares, as mulheres, a juventude, os
negros e as negras, os aposentados, as LGBTs e os povos indígenas. Determinadas
regiões do país e determinadas categorias são atingidas primeiro e mais
duramente. Entre as principais vítimas estão as mulheres, não apenas no plano
econômico e social, mas nos direitos básicos, inclusive no direito à vida.
Os golpistas não se iludiram com os resultados das eleições
municipais de 2016. Sabem que sua política de recessão gera um crescente
descontentamento popular. Para retardar, enfraquecer e tentar impedir que este
descontentamento produza uma alternativa de governo, os golpistas dobram a
aposta na política de repressão. É neste contexto que ocorrem os ataques aos
Sem Terra e Sem Teto, os ataques contra a juventude que ocupa escolas, os
ataques ao movimento sindical, ao PT e a Lula. Alguns destes ataques não são
feitos apenas por aparatos estatais: em vários casos, registra-se a presença de
grupos de direita, alguns com composição predominantemente juvenil e com
características paramilitares. Estas ações e o entorno ideológico constituem um
dos sinais de que há um clima crescente de “fascistização” na sociedade, que
deve ser enfrentado com todas as energias. Não se derrota o fascismo com bons
modos!
A criminalização da esquerda é, no fundamental, um
prolongamento da criminalização da pobreza, dos negros, das periferias. Neste sentido, o que alguns denominam de
“Estado de exceção” é o “Estado realmente existente” para grande parte da
população brasileira. Para o atual governo federal e seus aliados, a questão
social voltou a ser “caso de polícia”. A repressão é um pressuposto e uma
decorrência do regresso às políticas neoliberais claras e duras. Nosso Partido
deve perceber que esta repressão utiliza, como ponto de apoio, o fortalecimento
de determinadas corporações de Estado, medidas como a “lei antiterrorismo”,
além de certas concepções acerca da judicialização, da penalização e da
“república” que foram adotadas por nossos governos.
Vivemos uma situação semelhante à dos anos 1990: lutamos
contra uma ofensiva neoliberal. Mas, semelhanças a parte, a situação é
diferente em vários sentidos. O principal deles é que o capitalismo brasileiro e o capitalismo
internacional não são os mesmos dos anos 1990, tendo ocorrido mudanças
importantes na estrutura de classes do Brasil, assim como na dinâmica do
capitalismo global. Além disso, depois dos anos 1990 nós vencemos quatro
eleições presidenciais seguidas e tivemos uma experiência de governo, o que
mudou a percepção da classe trabalhadora a respeito do PT e da esquerda. Por
fim, a classe dominante também aprendeu com nossa experiência. Num resumo: os
conflitos serão mais rápidos e mais profundos do que antes.
Por todos estes motivos, não basta elaborar um novo programa,
uma nova estratégia e táticas adequadas. É preciso mudar o padrão de conduta e
organização do nosso Partido dos Trabalhadores. A situação exige, mais do que
nunca, uma esquerda socialista e de massas, enraizada na classe trabalhadora,
disposta a ser ao mesmo tempo alternativa de governo e de poder, com maior
consistência ideológica, capacidade de comunicação, organização e disposição de
luta.
A situação mundial
A elaboração da estratégia do PT deve levar em conta as
principais características do atual cenário mundial: as crises, as guerras e a
instabilidade generalizada. Estas características decorrem de um conjunto de
fatores, surgidos em diferentes momentos da história recente, mas que hoje se
conjugam na composição do cenário internacional.
Citamos entre estes fatores: a) a hegemonia sem precedentes
do capitalismo no mundo, que nunca foi tão capitalista quanto é hoje; b) a
natureza do capitalismo contemporâneo, altamente financeirizado e confirmando a
tendência à concentração e centralização do capital; c) a profunda e duradoura
crise do capitalismo, cujas causas não foram superadas, pelo contrário; d) o
declínio relativo da potência hegemônica, os EUA, que perderam peso econômico,
vivem uma crise interna de grandes proporções e tem sua hegemonia crescentemente
contestada; e) a ascensão de outros polos de poder, produzindo uma situação
mundial crescentemente multipolar, o que não significa necessariamente um mundo
pacífico; f) a formação de blocos, acordos e tratados, sintomas de desarranjo e
crise, não de ordem e estabilidade; g) a disputa entre diferentes vias de
desenvolvimento capitalista, cabendo às alternativas socialistas uma pequena
influência, pois estão mais fracas do que já foram antes; h) a defensiva
estratégica da classe trabalhadora, com o aumento das taxas de exploração,
redução na remuneração, piora nas condições de trabalho e reversão de direitos
sociais.
As políticas neoliberais, hegemônicas em âmbito mundial
desde os anos 1990, não foram interrompidas com a crise de 2008. Os grandes
estados capitalistas fizeram uma profunda intervenção estatal, mas seu objetivo
foi salvar o grande capital, sem alterar o padrão de acumulação. Este tipo de
intervenção estatal impediu o colapso, mas às custas de uma ampliação da
polarização social e política, assim como do aprofundamento das agressões
imperialistas do consórcio formado pelos Estados Unidos, União Europeia e Japão
contra a soberania nacional dos países economicamente mais frágeis. Estas
agressões geram reações e alternativas de diferentes tipos e conteúdos. É o
caso dos BRICS; dos governos progressistas e de esquerda na América Latina; das
lutas políticas e sociais impulsionadas por forças de esquerda que atuam na
Europa, África, Ásia e Estados Unidos. Mas também surgem respostas reacionárias,
como o fundamentalismo terrorista e o populismo de direita, este último
personificado em Donald Trump. Na Europa, fascistas, neonazistas e
ultraconservadores ampliam sua força eleitoral. O neoliberalismo, o
fundamentalismo terrorista e o populismo de direita conduzem, por diferentes
caminhos, ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras.
Clamam no deserto aqueles que pretendem civilizar e
humanizar o capitalismo e os capitalistas, tentando convencê-los de que
poderiam lucrar mais se todos viverem melhor. Só as forças de esquerda,
populares e democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária
que empurra o mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada
vez mais destrutivas. Para isto será preciso que a classe trabalhadora e seus
representantes políticos percam todas as ilusões de que será possível defender
o bem-estar social, as liberdades democráticas, a soberania nacional e uma nova
ordem mundial, sem impor uma derrota profunda às forças capitalistas e a seus
representantes políticos, sem oferecer uma alternativa global nova e radical.
Em 2008, a crise econômica teve como epicentro os Estados
Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. A eleição
de Donald Trump é um símbolo dos tempos em que vivemos no cenário
internacional, que possui semelhanças inquietantes com o que ocorreu na crise
dos anos 1930 e período entre guerras (1914-1945). Como naqueles tempos, não
existe caminho do meio. As políticas de “ganha-ganha” são possíveis apenas
quando tanto os de baixo quanto os de cima têm mais paciência que medo, mas
principalmente quando há crescimento econômico que torne factível redistribuir
renda. Mas quando não há crescimento econômico, quando há decrescimento, a luta
é por fatias de um bolo que está diminuindo de tamanho. Então se estabelece uma
luta pela expropriação, o medo toma conta e se fecham os “caminhos do meio”.
Tampouco existe reforma pelo alto capaz de resolver a situação atual. As forças
que causam a crise e que se beneficiam dela são as mesmas que dominam o poder
político, econômico, militar e ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as
ações práticas do governo dos EUA ampliam a crise. A dinâmica da crise mundial
é mais poderosa e tende a empurrá-los em direção à guerra.
A situação regional
A partir de 1998, teve início na América Latina e Caribe um
ciclo de governos progressistas e de esquerda que, malgrado suas debilidades e
diferenças, apontava no sentido da ampliação do bem-estar e da igualdade
social, ampliação das liberdades democráticas, da soberania nacional e
integração regional.
Até a crise internacional de 2008, os governos progressistas
e de esquerda vinham conseguindo avançar, contornando seus limites,
contradições e erros. Contudo, depois da crise ocorreu uma deterioração das condições
políticas, econômicas e sociais, abrindo uma fase de contraofensiva reacionária
que em vários países vem derrotando os governos progressistas e de esquerda,
colocando na defensiva as forças sociais e partidárias vinculadas à classe
trabalhadora e afetando instituições como o Mercosul, a Unasul e a Celac. Aonde
a direita voltou ao governo – como na Argentina e no Brasil –, assiste-se a um
retrocesso social, econômico e político, bem como a um giro na política
externa, que volta a ser subalterna aos interesses dos EUA.
A esquerda latino-americana e caribenha está convocada a
deter a ofensiva reacionária, reconquistar os espaços perdidos, alcançar novas
vitórias, criar as condições para que a Unasul e a Celac voltem a ter
protagonismo no cenário internacional, em favor da paz e de outra ordem
internacional. Frente a uma nova situação estratégica, a esquerda da região
está chamada, também, a produzir uma nova estratégia, que continuará a ter na
integração da América Latina e do Caribe um de seus componentes centrais,
acentuará sua natureza anti-imperialista e socialista. Afinal, vista de
conjunto, a situação internacional torna ainda mais imprescindível e urgente
nossa luta pelo socialismo. Não apenas pelos motivos já citados, mas também
pelos impactos cada vez mais catastróficos que o capitalismo vem provocando em
nosso planeta, com consequências que afetam terrivelmente as condições de vida
da classe trabalhadora, a natureza e o conjunto da humanidade.
Um programa democrático, popular e socialista
Paradoxalmente, a mesma situação internacional que favoreceu
o golpe, não ajuda os intentos do governo golpista, que defende um
neoliberalismo radical e um alinhamento carnal com os EUA, num momento em que
isto produz muitos ônus e não produz os “bônus” que beneficiaram o primeiro
mandato tucano (como, por exemplo, o grande volume de recursos atraídos pelas
privatizações daquela época, recursos que foram essenciais para a tão badalada
“estabilidade monetária”, com efeitos deletérios que se fizeram sentir ao final
do primeiro mandato e durante todo o segundo mandato de FHC). Os golpistas já
perceberam que o cenário internacional não é o que esperavam, a começar pelo
resultado das eleições presidenciais dos EUA. Mas até agora sua reação vem
sendo a de insistir na “ponte para o futuro”, radicalizar programaticamente,
anunciando e buscando promover retrocessos, solapar direitos e alienar nossa
soberania, numa profundidade e numa velocidade em certo sentido maiores do que
o ocorrido na primeira onda neoliberal (1990-2002).
Neste contexto, o Partido dos Trabalhadores está convocado a
retomar e atualizar as diretrizes estratégicas e programáticas afirmadas por
nosso 5º Encontro Nacional (1987): articular luta pelo governo e luta pelo
poder; articular luta social, luta institucional, luta cultural e organização;
articular a luta por políticas públicas, reformas estruturais e socialismo.
Chegamos à presidência da República em 1 de janeiro de 2003
e dela fomos definitivamente afastados em 31 de agosto de 2016. Mas precisamos
ter clara a diferença entre governo e poder. O máximo que a esquerda e a classe
trabalhadora brasileira conquistaram foi o governo nacional, e mesmo assim com
muitas limitações. O poder continuou concentrado em mãos da mesma classe
social: o grande empresariado capitalista. Sabendo disto, devemos deixar claro
que disputar eleições e conquistar governos continua sendo necessário, mas as
chances de êxito serão maiores ou menores, a depender das forças que a classe
trabalhadora acumule nos demais espaços e instituições onde se trava a luta e o
exercício do poder: judiciário, burocracia de Estado, segurança pública e
defesa, controle da economia, meios de comunicação, educação e cultura,
auto-organização do povo.
Hoje, a classe dominante brasileira busca implementar um
conjunto de medidas estruturais que visam impedir que a esquerda brasileira
possa voltar a governar o país. Isto inclui a interdição do PT e o
parlamentarismo, mas também inclui alterações na Constituição que, se
efetivadas, impedirão que um eventual governo de esquerda tenha meios
institucionais para fazer não apenas mudanças, mas até mesmo políticas públicas
voltadas às maiorias populares.
Sendo assim, há duas alternativas possíveis para uma
esquerda que deseja ganhar eleições e governar o Brasil: ou aceitar as
limitações; ou criar as condições para subverter estas limitações e tornar
possível o que hoje pode parecer impossível de fazer. Frente a esta disjuntiva,
o PT reafirma que seu objetivo permanente é transformar profundamente as condições
de vida da classe trabalhadora e da maioria explorada do povo brasileiro.
Portanto, ao chegarmos novamente ao governo, começaremos de imediato a
transformar as condições de vida da classe trabalhadora ainda nos marcos do
capitalismo. Mas como nosso objetivo é transformar profundamente as condições
de vida da classe trabalhadora, se fará necessário superar o capitalismo
através da construção do socialismo.
Construir o socialismo exige que a classe trabalhadora
construa – ela própria — a consciência, a organização, a capacidade de
mobilização e o poder político que se fazem necessários para derrotar a classe
que hoje domina a sociedade brasileira e seus aliados internacionais. E isto só
ocorrerá se, desde já, formos capazes de apresentar e construir alternativas de
tipo socialista para os problemas do cotidiano. Se a esquerda pretende de fato
construir o socialismo, ela precisa desde já convencer a maioria da classe
trabalhadora e do povo de que as soluções que apresentamos para os problemas do
cotidiano são superiores àquelas orientadas por uma lógica capitalista, visam
um horizonte mais amplo que o imediato.
Para tanto, o programa do PT deve abordar os temas do
bem-estar social, da democracia e da soberania nacional e sintetizar as
mudanças estruturais que queremos fazer no Brasil em benefício da classe
trabalhadora e da maioria do povo brasileiro; uma abordagem e mudanças que
devem ser vertebradas pelos interesses da maioria e não da minoria; pelo
bem-estar e não pelo lucro; pelo público e não pelo privado; pelo Estado e não
pelo mercado; pelo social e não pelo individualismo; por um horizonte
socialista e não capitalista. O programa do Partido aponta um conjunto de
transformações que, partindo da realidade atual, levando em conta a correlação
de forças e o nível de consciência do povo, acumula forças desde já num sentido
socialista. Afinal, a classe trabalhadora produz as riquezas do Brasil.
Portanto, ela tem o direito de decidir o que produzir, como produzir e como
distribuir a riqueza gerada por ela. Nosso Partido está comprometido com
melhorar a vida do povo aqui e agora; e o fazemos desde já na perspectiva de ir
muito além disto: queremos transformar tão profundamente as condições de vida
da classe trabalhadora, da maioria do povo brasileiro, que consideramos
necessário superar o capitalismo e construir o socialismo. Por isto não nos
contentamos em “administrar o capitalismo”.
Desde 1983 até hoje, no terreno municipal, estadual e
nacional, acumulamos uma rica experiência em termos de políticas públicas que
resultaram em melhoria na capacidade produtiva do país e nas condições de vida
do povo, no terreno material, cultural e político, por exemplo em áreas como a
educação, saúde, cultura, esporte, transporte, habitação, energia, água,
saneamento, emprego e distribuição de renda. Vistas de conjunto, estas
políticas públicas tiveram contra si: a) um orçamento limitado, b) um
crescimento econômico insuficiente e instável; c) uma estrutura econômica e
social concentradora de renda e riqueza, além de estruturas de poder geralmente
conservadoras, em âmbito nacional e mundial. Além disso, há que considerar os
efeitos da crise internacional do capitalismo, que vem desde 2008.
Um caso que deixa isto muito claro é o do sistema único de
saúde (SUS), criado pela Constituição de 1988. O SUS sempre foi subfinanciado.
Seus efeitos positivos foram sempre parcialmente neutralizados ou anulados pela
dinâmica econômica. Ademais, uma parte do investimento público no SUS sempre
foi capturada pelo setor privado. Em decorrência disto, uma excelente política
pública não consegue produzir todos os efeitos sistêmicos de que é
potencialmente capaz. Situação que a direita manipula em favor da privatização,
do mercado de “planos de saúde” e das tentativas de criar um “SUS-para-pobres”,
no lugar de uma política universal. Raciocínio similar pode ser feito no
terreno das políticas de habitação popular, encarecidas pela especulação
imobiliária e pela atitude das construtoras; ou no terreno das políticas de
fomento à produção de alimentos, que sofrem a concorrência do agronegócio de
exportação.
Portanto, seja para tornar realmente universais as políticas
públicas, seja para evitar que os efeitos positivos destas políticas sejam
neutralizados pelas estruturas conservadoras ou por crescimentos insuficientes
e/ou instáveis, é necessário combinar políticas públicas com reformas
estruturais: políticas que alteram a distribuição da riqueza e do poder entre
as classes sociais. Entre estas reformas estruturais, citamos:
A reforma tributária, que inclui medidas como a tributação
de juros sobre capital próprio; a tributação sobre lucros e dividendos; a
taxação sobre remessa de lucros e dividendos ao exterior; a extensão do Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para barcos e aviões; a adoção
de Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF); a revisão da tabela do imposto de
renda sobre pessoas físicas, com aumento do piso de isenção e ampliação
progressiva das faixas de contribuição; o aumento do imposto sobre doações e
grandes heranças, com repactuação do valor arrecadado entre União, estados e
municípios.
A reforma financeira, que inclui medidas como a auditoria e
redução do serviço da dívida, juros compatíveis com crescimento e geração de
empregos, lei antitruste financeiro, eliminação dos monopólios nacionais
privados, fortalecimento dos bancos públicos, cooperativos e regionais, a
autonomia do Banco Central frente ao oligopólio financeiro.
A reforma agrária, que inclui medidas como a adoção de
regime progressivo para o Imposto Territorial Rural para propriedades
improdutivas; a redefinição dos índices de produtividade para fins de reforma
agrária; a proibição da venda de terras para estrangeiros; o estabelecimento de
limites regionais para a propriedade agrária e o agronegócio; o fortalecimento
da agricultura familiar e das cooperativas agroindustriais como vertentes
principais para a conquista de autossuficiência e soberania alimentar; a defesa
dos direitos e heranças dos povos originários; a aprovação de um novo código de
proteção ambiental.
A soberania energética, que inclui medidas como a
recomposição do regime de partilha, com a participação obrigatória da Petrobras
nas explorações do pré-sal; a criação do Sistema Nacional de Energia, com o
controle estatal sobre todas as distintas empresas do setor. Retomada do modelo
de partilha do pré-sal e uma Petrobrás 100% a serviço dos interesses públicos.
A constituição de um estado de bem-estar social, através da
ampliação dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, incluindo
medidas como a revogação da PEC 55/EC 95 e de outras medidas adotadas pelo
governo golpista que assumiu depois de 31 de agosto de 2016; o
reestabelecimento do comprometimento constitucional mínimo com saúde e
educação; a aprovação da Consolidação de Leis Sociais, constitucionalizando o
direito à renda mínima e outros benefícios; a constitucionalização da lei de
valorização do salário mínimo; a redução da jornada semanal de trabalho para 40
horas (medida que além de tudo contribuirá para a geração de empregos).
A reforma política, que inclui a adoção do voto em lista
partidária, a proibição de coligações proporcionais, a criação de federações
partidárias, o financiamento público das campanhas eleitorais, o
autofinanciamento dos partidos políticos, a possibilidade de referendo
revogatório para cargos executivos (substituindo o mecanismo do impeachment), a
possibilidade de convocação, pelo presidente da República ou por 10% do
eleitorado, de plebiscitos impositivos.
A democratização da mídia, que inclui medidas como: a
proibição de propriedade cruzada e de propriedade de meios por parlamentares,
governantes ou familiares até segundo grau; a criação de um Fundo em Defesa da
Liberdade de Imprensa, com um percentual da receita publicitária das televisões
aberta e fechada, além das rádios, para estimular novos meios de comunicação; a
cláusula de objeção por consciência em todas as redações; a criação de um
Conselho Social de Comunicação, que autoriza e renova licenças para emissoras
de rádio e TV, retirando essa prerrogativa do parlamento; a criação do direito
gratuito de antena na TV aberta e nas rádios.
A reforma do sistema de justiça e segurança, que inclui
medidas como a instituição de mandatos limitados para ministros da Suprema
Corte, do STJ, do TST e desembargadores dos TRFs e TJs; a democratização dos
mecanismos de escolha para os tribunais; a desmilitarização das PMs estaduais e
unificação com a polícia judiciária; a reformulação do Sistema Nacional
Penitenciário, com a incorporação de todas as prisões e casas de detenção a um
modelo único de gestão.
O fortalecimento do papel do Estado como financiador,
indutor, regulador, planejador e – através das empresas estatais — executor
direto. Ao Estado cabe coordenar e/ou executar um conjunto de medidas que
tornem possível a ampliação do nível cultural, científico, tecnológico e da produtividade
de toda a sociedade brasileira; integrando o local, o estadual, o nacional, o
continental e o mundial; possibilitando economia de escala, articulando cadeias
produtivas e garantindo retaguarda estratégica.
A reindustrialização nacional, combinando ampliação do
mercado de massa de bens de consumo privado; ampliação do acesso a bens
públicos como saúde, educação, cultura, habitação e transporte; e políticas de
desenvolvimento regional e integração continental. Reconstrução de uma
indústria forte e tecnologicamente avançada, liberta dos monopólios e
oligopólios privados. Forte participação estatal no financiamento, na produção,
na pesquisa e na formação de quadros, especialmente de cientistas e
engenheiros. Regular a iniciativa privada, em favor de um plano de
desenvolvimento que beneficie a maioria do povo, com taxas de crescimento
compatíveis com a absorção dos desempregados e dos que entram a cada ano no
mercado de trabalho.
Imensa ampliação da participação e da auto-organização da
classe trabalhadora, conquistando maioria nos parlamentos e governos, exercendo
as liberdades democráticas, desenvolvendo uma ativa política de comunicação,
construindo outro tipo de política e de Estado, outra política de segurança
pública e de Defesa, outra política de educação e cultura, e implementando uma
luta sem tréguas contra a corrupção. Criar as condições para a convocação de
uma Assembleia Nacional Constituinte.
O programa do PT, conforme resumido acima, visa implementar
um desenvolvimentismo democrático, popular e socialista ambientalmente
orientado, centrado na soberania alimentar e sobre nossos recursos naturais; na
sustentabilidade, preservando as florestas, a biodiversidade, as fontes de
água; e na produção do espaço social, incorporando os serviços ambientais no
planejamento das cidades e na reforma urbana. Melhorar as condições de vida do
povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável, exige superar o
controle que os capitalistas mantêm sobre nossa sociedade, a começar por nossa
economia. Queremos voltar a elevar, de maneira acelerada e sustentável, todos
os indicadores sociais, naturais e individuais. Não queremos ser um país de
classe média. Queremos ser um país onde a classe trabalhadora tenha altos
níveis de vida material, cultural e política. Será necessário tempo, muito
esforço, muita criatividade e muita luta para atingir estes objetivos. Tarefas
que estão postas desde agora, no enfrentamento do governo golpista.
Um programa de emergência
O Partido dos Trabalhadores luta pelo socialismo e por
reformas estruturais. Ao mesmo tempo, apresenta um programa de emergência,
destinado a enfrentar e superar no curto prazo a caótica situação econômica e
social criada pelos golpistas, assim como destinado a criar as condições para
enfrentar os grandes problemas políticos do presente e do futuro imediato. Este
programa de emergência, articulado com o programa de reformas estruturais
detalhado anteriormente, inclui dentre outras medidas:
- Revogação da Emenda Constitucional 95 (que limita o
crescimento dos gastos públicos por vinte anos), da Lei 4567/16 (que desobriga
a Petrobras de ser operadora em todos os blocos do pré-sal) e de todas as
medidas de caráter antipopular, antinacional e antidemocrático aprovadas
durante o governo usurpador.
- Recriação do MDA, prioridade para a agricultura familiar e
distribuição de terras para trabalhadores acampados. Proibição da venda de
qualquer bem da natureza ao capital estrangeiro. Retomada da política externa
independente, altiva e soberana.
- Criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego
– financiado pelo uso parcial das reservas internacionais, pela queda das
despesas financeiras e pela reorganização do sistema nacional de impostos – que
destine 100 bilhões anuais para obras de infraestrutura, saneamento, habitação,
renovação energética e mobilidade urbana. Reorganização do Programa Minha Casa,
Minha Vida, com expansão da construção de moradias populares e um plano de
financiamento a longo prazo para reformas e melhorias residenciais. Expansão e
barateamento do crédito para produção e consumo, em movimento comandado pelos
bancos públicos e lastreado pela redução dos depósitos compulsórios. Reajuste
de 20% do Bolsa Família, entre outras medidas de expansão dos gastos sociais.
- Recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira (CPMF), estabelecendo arrecadação compartilhada com estados e
municípios. Tributação de juros sobre capital próprio, com a revogação do
benefício fiscal previsto na lei 9249/1995, que permite a dedução de despesas
financeiras da base de cálculo tributário das empresas, por conta de créditos
aportados pelos próprios acionistas. Tributação sobre lucros e dividendos,
eliminando isenção de Imposto de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas,
também prevista pela lei 9249/1995, na declaração de benefícios auferidos por
suas participações acionárias. Adoção de regime progressivo para o Imposto
Territorial Rural sobre propriedades improdutivas. Extensão do Imposto sobre
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para barcos e aviões. Adoção do
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com alíquota anual variável entre 0,5% e
1% sobre os detentores de patrimônio líquido superior a oito mil vezes o limite
de isenção previsto no Imposto de Renda para Pessoa Física do período
arrecadatório. Revisão da tabela do imposto de renda sobre pessoas físicas, com
aumento do piso de isenção e ampliação progressiva das faixas de contribuição.
Aumento do imposto sobre doações e grandes heranças, com repactuação do valor
arrecadado entre União, estados e municípios. Fim da isenção de contribuição
previdenciária dos exportadores agrícolas e das entidades filantrópicas que
cobram por prestação de serviços. Revisão da Lei Kandir, com adoção de regras
tributárias que gravem a exportação de bens e serviços.
- Realização de plebiscito para convocação de uma Assembleia
Nacional Constituinte livre, democrática e soberana. Reforma política.
Democratização da mídia, com adoção de legislação que proíba a propriedade
monopolista de meios e expanda as oportunidades de expressão para todos os
setores sociais.
Uma tática para resistir e voltar à ofensiva
A tarefa número 1 do PT e de qualquer pessoa ou organização
de esquerda é participar da defesa dos direitos do povo e da luta contra o
governo golpista; denunciar o golpe e chamar o Fora Temer; fazer dura oposição
ao governo usurpador; defender as liberdades democráticas e os direitos
sociais da classe trabalhadora, da
juventude, das mulheres; lutar contra o racismo, contra a LGBTfobia, em defesa
dos indígenas e dos direitos humanos. O êxito nesta luta está diretamente
vinculado ao grau de unidade das forças democráticas, populares e de esquerda.
A Frente Brasil Popular (FBP) deve ser fortalecida e ampliada, assim como deve
seguir cooperando com iniciativas como a Frente Povo Sem Medo.
A partir da Frente Brasil Popular, devemos construir uma
frente mais ampla, em defesa das liberdades democráticas, da soberania nacional
e do desenvolvimento. Mas não se deve confundir a necessidade de atrair forças
de centro, com o erro de subordinar a esquerda ao centro.
A construção da FBP faz parte do esforço para construir uma
coligação eleitoral que dispute as eleições de 2018. Estas iniciativas devem
convergir, mas para isso é preciso diferenciar o que é uma frente política e
social para fazer lutas do que são coligações eleitorais. A confusão entre uma
e outra, bem como a subordinação do social ao eleitoral, são erros que não
devem se repetir.
A cada ataque contra Lula, mais se torna evidente que as
forças golpistas querem impedir que o PT dispute com chances de vitória a
presidência da República. Os golpistas temem que Lula possa vencer as eleições.
O PT se empenhará para viabilizar a candidatura de Lula e para que ela seja
adotada por outros partidos e setores democráticos, populares e socialistas.
Parte importante deste empenho passa por envolver, desde o início, o maior
número possível de partidos, movimentos e personalidades engajados na luta
contra o golpismo, na construção da plataforma programática que será defendida
nas eleições de 2018.
As eleições de 2018 são uma batalha fundamental. Para os
golpistas, será a chance de conseguir o que não conseguiram em 2014. Para os
setores progressistas, será o momento de reafirmar as liberdades ameaçadas.
Para os setores de esquerda, será o momento de retomar o governo e a
perspectiva de transformação do Brasil. Para o PT, será também a oportunidade
de apresentar seu balanço e suas propostas.
Mas as eleições de 2018 são uma batalha, não são toda a
“guerra”. Para vencê-la, será preciso muito mais do que ações de natureza
eleitoral, é necessário acumular forças no terreno social, cultural e
organizativo e apresentar um programa de governo e uma estratégia para
2019-2022 superiores àquilo que fizemos entre 2003 e o impeachment.
Devemos superar a política de conciliação de classes; a
convivência com os oligopólios, especialmente o financeiro e o agroexportador;
a tolerância frente à indústria da comunicação, da educação e da cultura; as
ilusões republicanas acerca das instituições de Estado, a começar pelo
judiciário, forças armadas, ministério público e polícia federal; o discurso
sobre o “país de classe média”; as vacilações no enfrentamento da meritocracia,
do consumismo, do ataque às minorias; a ausência de debate ideológico. Mais do
que nunca devemos lembrar que, para transformar, é preciso realizar rupturas
com as estruturas de poder e propriedade.
As eleições de 2018 são diferentes das que ocorreram entre
1989 e 2002. Além da possibilidade de derrota eleitoral, é preciso levar em
conta que tentarão impedir que disputemos, vençamos, tomemos posse e
governemos. Por tudo isto, nossa tática em geral e nossa tática eleitoral em
particular, bem como nossa política de alianças, devem estar totalmente
subordinadas à nossa estratégia, que tem como aspecto central reconquistar a
confiança da maioria da classe trabalhadora brasileira, não apenas no PT, mas
no conjunto das organizações da classe. Em suma: nosso Partido deve ser capaz
de obter vitórias táticas, mas ao mesmo tempo deve construir vitórias
estratégicas.
A retificação de nosso Partido
O desafio destes 37 anos de PT foi o de construir um partido
de esquerda, socialista, democrático, de massas, enraizado na classe
trabalhadora, com vocação de governo e de poder.
Obtivemos importantes êxitos desde 1980. Vencer quatro
eleições presidenciais seguidas não foi um acidente, foi produto de um acúmulo
de forças importante, construído não apenas pelo PT, mas pelo conjunto da
classe trabalhadora. Também por isto, não aceitamos a postura daqueles que
subestimam e minimizam aquilo que foi conquistado desde 2003 em favor da classe
trabalhadora.
Mas a quase derrota nas presidenciais de 2014, o impeachment
de 2016, o massacre que sofremos nas eleições municipais de 2016, o caráter
estruturalmente limitado de nossas políticas de governo e, principalmente, a
perda de apoio na classe trabalhadora, revelam nossas limitações e erros – que
não são apenas do PT, mas de um conjunto de organizações da classe trabalhadora
e da esquerda brasileira, que também estão chamadas a rever sua estratégia e
sua conduta organizativa.
O principal destes erros foi, como já dissemos, a
conciliação de classes, a crença de que seria possível melhorar a vida do povo
sem impor profundas derrotas à classe dominante. Em decorrência, ocorreu uma adaptação do PT
às instituições que deveríamos transformar, bem como uma acomodação a certos
hábitos da direita. Ao contrário de antecipar, nas suas práticas e valores, as
características do futuro que queremos construir, parcelas crescentes do PT
foram se adaptando às tradições do passado e do presente. Uma conduta que
devemos reverter, um erro que não podemos repetir.
O PT e a luta contra a “conciliação”
As classes dominantes brasileiras sempre foram excludentes e
violentas no trato com as demais. Mas no relacionamento entre as diversas
frações da classe dominante, geralmente predominou a conciliação e o pacto das
elites.
Quando o PT chegou ao governo nacional, em 2003, a
orientação predominante no Partido era caracterizada pela moderação
programática e política, bem como por uma aliança com setores capitalistas,
sendo importante lembrar que tal aliança incorporou inclusive o capital
financeiro, transnacional e agropecuário.
Por certo período, grande parte do PT apoiou esta aliança,
movido pela crença de que seria possível transformar estruturalmente o Brasil
sem enfrentar e sem impor derrotas estratégicas à classe dominante e ao
capitalismo, e movido pela convicção de que seria impossível manter o governo
sem fazer alianças e concessões à classe dominante. Além disso, acreditava-se
que ao ser moderado, o PT estimularia a moderação da classe dominante, na
ilusão de que seria possível humanizar o capitalismo e domesticar os
capitalistas.
Durante algum tempo, esta aliança não impediu e em certa
medida até contribuiu para alguns avanços econômicos e sociais. Mas sempre se
tratou de uma aliança unilateral. Em nenhum momento a classe dominante e seus
representantes deixaram de atacar nosso governo e a esquerda, sabotando nossas
políticas e preparando o contra-ataque, que teve início a partir do primeiro
mandato da presidenta Dilma Rousseff.
Diante da tentativa de reduzir a taxa de juros e da lei da
partilha do pré-sal, setores fundamentais da classe dominante decidiram dar um
basta à experiência governamental petista. E quando isto aconteceu, a
estratégia da conciliação mostrou todos os seus limites: não apenas foi tímida
em realizar mudanças, como foi incapaz de nos preparar para o momento da
contraofensiva reacionária. Apesar disto, alguns setores do nosso Partido e da
esquerda se mantiveram prisioneiros da velha estratégia. Exemplos disto são a
política de subsídios e isenções realizadas pelo governo Dilma, a postura
frente à Operação Lava Jato, o debate sobre a Lei anti-terrorismo, a
continuidade da publicidade na mídia golpista, a tática de campanha e as
alianças com partidos golpistas nas eleições municipais de 2016, a postura de
parte das bancadas do PT na eleição das mesas diretoras da Câmara dos
Deputados, do Senado e de várias assembleias legislativas e câmaras municipais
em todo o Brasil.
Um dos temas onde fica claro o tamanho do dano causado ao
PT, pela conciliação e pela adaptação, é a maneira como o Partido enfrentou o
tema da corrupção, tanto na sua ação governamental e parlamentar, quanto no seu
funcionamento interno.
O PT na luta contra a corrupção
Há vários anos o Partido dos Trabalhadores vem sendo atacado
duramente, acusado de ser uma “organização criminosa”, cujas lideranças,
integrantes e apoiadores deveriam ser perseguidos e execrados publicamente,
julgados e condenados. Para alguns, o próprio PT deveria ser proibido de
existir. A cobertura televisiva do julgamento do chamado “mensalão” e dos atos
contra o governo da presidenta Dilma Rousseff, a overdose da Operação Lava-Jato
e o linchamento midiático diário do presidente Lula têm este propósito.
Frente a esta operação, que nunca foi clandestina nem sutil,
nosso Partido adotou uma política geralmente confusa, defensiva e
essencialmente incorreta, como é demonstrado pelo desgaste que sofremos junto à
grande parte de nossa própria base social e eleitoral. O tema da corrupção
tornou-se parte importante dos motivos que fizeram o PT e suas lideranças
perderem parte significativa do apoio que tinham.
Parte importante de nossa militância, mesmo recusando os
ataques feitos pela direita, considera que o PT cometeu erros gravíssimos, que
precisam ser reconhecidos, diagnosticados e tratados. Alguns desses erros
seriam de responsabilidade também coletiva, entre os quais o de termos “baixado
a guarda” contra as armadilhas de um sistema político-eleitoral que desde
sempre serviu às classes dominantes. Outros erros seriam individuais, de maior
ou menor gravidade, devendo ser assumidos como de exclusiva responsabilidade pessoal.
Já nos anos 1980 o PT denunciava o financiamento empresarial
das campanhas eleitorais e dos próprios partidos como algo antidemocrático e
corrupto. E por muitos anos nosso Partido foi conhecido por enfatizar políticas
que visavam eliminar a influência do poder econômico sobre as liberdades
democráticas.
Nos anos 1990, o PT passou a enfatizar em suas resoluções o
tema da “ética na política”. Mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, foi também nos
anos 1990 que o PT relaxou nos seus mecanismos de autofinanciamento, passando a
depender cada vez mais do financiamento público e do financiamento empresarial,
num processo de adaptação que afetou o conjunto do PT, mesmo que tenha sido
mais pronunciado em alguns setores do que em outros.
Alguns acreditavam que era possível manter-se imune àquela
engrenagem corrupta e corruptora do financiamento empresarial privado; e/ou que
poderiam utilizá-la a serviço de outros propósitos, que não os da manutenção
dos interesses do grande capital financiador; e/ou que não haveria outra
alternativa, sob pena de perdermos as eleições para os que dispunham do
financiamento empresarial; e/ou que bastaria seguir a lei, como se o problema
estivesse no “caixa 2” e não no financiamento privado empresarial em si.
Em 2005, quando a direita fez no chamado mensalão o “ensaio
geral” da Operação Lava Jato, nosso o Partido cometeu quatro erros
fundamentais: 1) manteve e aprofundou a dependência frente ao financiamento
privado empresarial; 2) não converteu a luta pela reforma política em aspecto
central da nossa linha política; 3) deixou a investigação e o julgamento
totalmente nas mãos da polícia, do ministério público e do judiciário, não
formando uma opinião própria, do Partido, acerca dos fatos e dos casos sob
julgamento; 4) não criou uma corregedoria interna, que tivesse como tarefa agir
preventivamente frente a casos de corrupção.
O fato de termos sobrevivido à crise de 2005 e vencido as
eleições de 2006, 2010 e 2014 fortaleceu em amplos setores do Partido a
impressão de que não era necessário adotar medidas que tornassem o
financiamento da atividade partidária algo independente tanto do empresariado,
quanto do fundo público.
Apesar das autocríticas parciais feitas posteriormente,
inclusive em resoluções congressuais, o fato é que o Partido aprofundou a
dependência frente às contribuições empresariais privadas, sem nem ao menos
adotar mecanismos de autodefesa, crendo piamente na imparcialidade das
“instituições republicanas” e parecendo acreditar que a legalidade formal do
financiamento empresarial nos deixaria livres de qualquer suspeita de
corrupção.
Além disso, mesmo estando a frente do Governo Federal, pouco
ou nada fizemos para democratizar o judiciário. Não aumentamos o controle
social sobre o poder mais obscuro da República. Pelo contrário, legitimamos sua
autonomia, assim como do ministério público e da polícia federal.
Aliás, muitos setores do PT e do governo viam a Operação
Lava-Jato como cheia de nobres intenções republicanas. Diante das provas
crescentes do contrário, no máximo admitiam que a Operação poderia estar sendo
“manipulada” para incriminar petistas e levar Dilma à derrota. Não percebiam e
não denunciavam que a essência da Operação Lava Jato era a destruição do PT, a
derrubada do governo e a interdição de Lula.
Os fatos, entretanto, demonstraram que a Operação Lava-Jato
é, desde sua gênese, uma ação de cerco e aniquilamento combinada – não
necessariamente pactuada previamente – entre a mídia, setores do ministério
público, da polícia federal e da justiça federal. Diante da impossibilidade de
um golpe de velho tipo, mas temendo nova derrota em 2018, a tática implementada
foi a do golpe de novo tipo: estimular a mobilização de massas, tendo a “luta
contra a corrupção” como a principal bandeira a mobilizar principalmente os
setores médios e neutralizar os setores populares.
O golpe do impeachment foi perpetrado por uma quadrilha de
corruptos. Quanto mais aparecem novos casos de corrupção e o envolvimento de
políticos de direita, quanto mais fica evidente o caráter sistêmico da corrupção
e que o processo vem dos anos 1990, quanto mais ficam claros os vínculos com a
privataria tucana, mais histérico é o empenho da mídia e dos setores
repressivos do Estado para acusar seletivamente o PT e tentar impedir a
candidatura presidencial de Lula.
O Partido dos Trabalhadores questiona a legalidade e a
legitimidade dos processos desenvolvidos pela Operação Lava Jato e outros
semelhantes. Nosso questionamento não implica em absolver criminosos
comprovados. Aliás, é exatamente o contrário: em nome de tentar culpar o PT,
criminosos confessos já estão sendo beneficiados pela Operação Lava Jato.
A direita é hipócrita, aplicando dois pesos e duas medidas:
o “mensalão” do PT foi julgado, o “mensalão” tucano não foi; a corrupção na
Petrobrás é escândalo midiático, a corrupção que envolve o Metrô e as ferrovias
de São Paulo é nota de rodapé; a contribuição de empreiteiras para o PSDB é
tida como legal, a contribuição das mesmas empreiteiras para o PT é
criminalizada.
O PT não é hipócrita. Reconhecemos que foi um erro adotar,
mesmo que em menor escala, mesmo que para eleger governos e parlamentares
populares, métodos de financiamento eleitoral similares aos da direita. Além
disso, reconhecemos que o uso do cachimbo faz a boca torta: ao usar alguns dos
métodos da classe dominante, facilitamos desvios no comportamento do
Partido — inclusive nos processos
eleitorais internos ao partido — que agora precisam ser corrigidos. Damos como
exemplo de um passo nesse sentido a decisão de não receber mais recursos empresariais,
adotada antes mesmo que houvesse decisão oficial do Judiciário a respeito.
Entretanto, isto não basta. O 6º Congresso do Partido adota,
também, as seguintes medidas:
a) iniciar a reconstrução dos mecanismos de
autofinanciamento do Partido pelas suas bases militantes, sociais e eleitorais,
tornando novamente obrigatória a contribuição financeira por parte de todos os
nossos filiados e filiadas;
b) retomada das propostas e das práticas de luta contra os
privilégios, exigindo dos militantes que ocupam postos de direção em governos,
parlamentos, movimentos sociais e no Partido que sejam os primeiros a dar o
exemplo;
c) combinar a defesa dos acordos de leniência que preservam
as empresas e os empregos, com a defesa do cumprimento da lei no julgamento dos
proprietários e altos funcionários das grandes empresas que estão na base da
economia política da corrupção;
d) questionar a legalidade e a legitimidade dos processos
desenvolvidos pela Operação Lava Jato e outros semelhantes, mas sem nenhuma
tolerância com criminosos confessos.
e) avaliar segundo critérios do Partido a situação dos
filiados que foram acusados e/ou condenados sob acusação de corrupção.
Em 2005, a maioria do Diretório Nacional preferiu não
acionar a comissão de ética para as pessoas acusadas. Alguns dos argumentos
utilizados foram que isto seria pré-julgamento; que as pessoas poderiam ser
forçadas a criar provas contra si mesmas; que deveríamos aguardar os
procedimentos do judiciário. Muitas pessoas pareciam acreditar que haveria
julgamento justo; que o caixa dois não seria tratado ilegalmente como lavagem
de dinheiro; que as contribuições legais, quando feitas ao PT, não seriam consideradas
corrupção disfarçada. Na prática, o PT abriu mão de formar um juízo próprio,
partidário, sobre o conjunto da obra e sobre cada um dos acusados. O terreno
ficou livre para que a polícia, o judiciário e o PIG atuassem. Sabemos qual foi
o resultado disto: ao não separarmos o joio do trigo, ao não distinguirmos os
erros individuais dos coletivos, facilitamos as manobras e mentiras da Operação
Lava Jato.
O 6º Congresso deve, portanto, autorizar o novo Diretório
Nacional a constituir uma comissão, composta por personalidades democráticas,
progressistas e de esquerda do Brasil e de todo o mundo, para analisar todos os
casos de filiados petistas acusados pela Operação Lava Jato e conexas. O
relatório final desta comissão deve ser submetido ao Partido e posteriormente
difundido publicamente, cumprindo assim as funções de um “tribunal de honra”
que permitirá um desagravo àqueles militantes que foram injustamente acusados
e/ou condenados.
O sexto congresso deve, também, constituir uma Corregedoria
interna permanente. Como qualquer partido, o PT está sujeito a ter nas suas
fileiras pessoas que cedem à corrupção. Mas, diferente de certos partidos, o PT
se antecipará em identificar e punir quem o faça. Entre outros motivos, porque
a corrupção é antagônica ao nosso projeto de sociedade.
É preciso mudar o PT
Ao longo das últimas décadas, o PT cresceu e mudou diversas
vezes. Algumas destas mudanças revelaram-se prejudiciais, dificultando a
continuidade de nosso crescimento, prejudicando a defesa de nossas conquistas,
nos afastando de nossas bases sociais e de nossos objetivos de longo prazo.
É preciso mudar o PT, reconectando nosso funcionamento
interno e nossa ação externa com nossa classe e com nossos objetivos
históricos, possibilitando uma defesa eficaz de nosso legado e de nossa
existência, permitindo que voltemos a crescer.
Uma destas mudanças implica em libertar o Partido do
eleitoralismo, tanto da lógica que hipertrofia a dimensão eleitoral frente às
outras dimensões da ação partidária; quanto dos interesses particulares de quem
tenta fazer do Partido uma escada para “carreiras” e “projetos” individuais ou
de grupos, prática que inclui fortalecer as bancadas e mandatos em detrimento
das instâncias dirigentes; indicar assessores parlamentares para preencher vagas
em diretórios e executivas, não com o objetivo de dirigir o Partido, mas sim de
representar os interesses deste ou daquele mandato; perpetuar hábitos
tradicionais na relação entre partido, parlamentares e governos; naturalizar o
recurso a “cabos eleitorais”; converter a estrutura partidária em um cartório
sem vida democrática real, afastando a militância, atraindo oportunistas e
reproduzindo internamente os mecanismos de dominação a partir do poder
econômico. A experiência dos últimos anos confirmou algo que nosso Partido
dizia já nos anos 1980: para os trabalhadores, os parlamentos não são nem devem
ser espaço privilegiado.
Precisamos mudar o Partido, um partido dos trabalhadores e
das trabalhadoras, baseado numa militância que discuta, decida e se engaje nas
lutas das fábricas, dos bairros, dos campos e das escolas; um partido dirigido
pelas suas bases e direções, não por gabinetes executivos e legislativos. Um
partido cujos parlamentares sejam antes de mais nada tribunos populares,
comprometidos com a defesa dos interesses dos trabalhadores, combatentes contra
os privilégios e contra qualquer forma de oligarquização da política. Para
isto, entre outras medidas que são necessárias, apontamos as que seguem.
O Partido dos Trabalhadores reafirma seu caráter de classe e
de massas. Mas para sermos efetivamente o partido da classe trabalhadora, é
fundamental manter uma relação permanente e orgânica com a juventude
trabalhadora, as mulheres trabalhadoras, os negros e as negras trabalhadoras,
com todos os setores populares. Ser um partido integrado à vida cotidiana da
classe trabalhadora supõe que todos os nossos filiados e filiadas integrem
núcleos por local de trabalho, estudo e moradia. Neste mesmo sentido, o PT
formará uma juventude de massas autônoma.
O Partido dos Trabalhadores reafirma seu caráter
revolucionário, democrático-popular, socialista e internacionalista, de combate
contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia e toda e qualquer forma de
preconceito, opressão e exploração. Para isto, devemos adotar medidas práticas
que permitam aprofundar nossa formação política e ideológica, retomando o fio
da elaboração petista dos anos 1980, que buscava superar determinadas tradições
e influências da sociedade brasileira, de tipo neoliberal e liberal, socialdemocrata
e desenvolvimentista, keynesiana e nacionalista. A Fundação Perseu Abramo e
nossa Escola de Formação devem ser reorganizadas nesta perspectiva: formular e
difundir o petismo.
O Partido dos Trabalhadores reafirma ser, ao mesmo tempo,
organização e movimento: um partido político organizado e um movimento de
rebeldia político-cultural. Não se disputa o poder sem construir uma cultura
distinta daquela do poder. Para isto, são necessários instrumentos e práticas
permanentes de comunicação de massa, educação e cultura. A começar por sedes
partidárias que sejam, também, verdadeiros pontos de cultura. E uma ação
cotidiana voltada à politização da população: esta tarefa cabe aos movimentos
sociais, aos sindicatos, as organizações comprometidas com a educação popular
de base, mas também cabe ao Partido, especialmente aos seus núcleos, setoriais
e diretórios municipais. Contribuirá nesta perspectiva a criação de uma rede de
comunicação própria – integrando revista, jornal, rádio, TV, portal e agência
de notícias, articulando-se com outras iniciativas do campo
democrático-popular. Converterá suas sedes em “casas do povo”. E organizará
festivais culturais anuais, de caráter municipal, estadual e nacional.
O Partido dos Trabalhadores reafirma seu caráter laico, ao
tempo que acolhe militantes engajados numa tradição ecumênica e de diálogo
inter-religioso. A contraofensiva reacionária manipula de maneira grotesca a
religiosidade popular, colocando em questão o Estado laico e estimulando o
fundamentalismo. Neste sentido, o PT desenvolverá, de maneira permanente, um
diálogo com as bases populares que hoje estão sob influência do
neopentecostalismo e da teologia da prosperidade.
O Partido dos Trabalhadores reafirma seu compromisso com uma
vida interna democrática. Neste sentido, mantém a paridade, as cotas de
juventude e étnica, a proporcionalidade na composição das direções, o direito
de tendências. Mas organizar-se em tendências deve ser um direito, não uma
obrigação. Para isto, as instâncias partidárias devem ter vida permanente, a
comunicação interna e a formação política devem ser acessíveis ao conjunto dos
filiados, as finanças partidárias devem estar sob controle coletivo e o
processo de eleição das direções – que deve ser integralmente congressual, em
reuniões presenciais — deve ter regras que facilitem a eleição de militantes
que não fazem parte de tendências.
O Partido dos Trabalhadores reafirma sua disposição de
construir, com o conjunto da esquerda política e social, todo tipo de unidade
na luta. O PT continua a ser o maior partido da esquerda, mas os erros que
cometemos fazem com que amplos setores da militância democrática, popular e
socialista nos olhem com desconfiança, dúvida e inclusive rejeição, o que exige
a correção de rumos e a demonstração prática de que aprendemos com nossos erros
e sabemos fazer diferente. Neste sentido, o PT reafirma seu engajamento na
construção da Frente Brasil Popular.
Nosso partido tem um grande passado, de que nos orgulhamos.
Mas não queremos ser um partido que tem um grande passado pela frente. Queremos
continuar contribuindo para que a classe trabalhadora e as maiorias populares
do Brasil, da América Latina e Caribe, de todo o mundo possam viver em paz, democracia
e bem-estar. É para que isso que criamos e continuaremos a construir o Partido
dos Trabalhadores: lutar contra o capitalismo e pelo socialismo.
Brasil, junho de 2017, ano do centésimo aniversário da
Revolução de Outubro.
Assinam a tese, para fins de registro formal: Bruno Elias,
Jandyra Uehara, Adriano Oliveira, Rosana Ramos, Júlio Quadros, Iriny Lopes e
Valter Pomar.