quarta-feira, 12 de abril de 2017

Enxurrada de inquéritos da Lava Jato ameaça colapsar o Supremo

O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin.  STF - No El País
Caberá ao ministro relator da Lava Jato na Corte, Edson Fachin, analisar a chamada segunda Lista de Janot a autorizar as investigações, bem como a retirada de sigilo da lista – não existe um prazo para que essas decisões sejam tomadas. Com o aval do ministro, o Ministério Público Federal pode realizar diligências, solicitar a quebra de sigilos bancários e telefônicos e coletar mais provas contra os políticos citados. Só então o MPF irá avaliar se apresenta denúncia contra os investigados. Se a Corte aceitar a denúncia, os políticos se tornarão réus.

Levando em conta a história pregressa do Supremo, alguns anos devem se passar até que os processos tenham um desfecho. Esta é a segunda lista apresentada por Janot ao STF. A primeira, entregue em março de 2015 e feita com base nas delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, pedia a abertura de 28 inquéritos para investigar pessoas com direito ao foro privilegiado. Dois anos depois, apenas seis políticos viraram réus: Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Aníbal Gomes (PMDB-CE), Nelson Meurer (PP-PR), e mais recentemente, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), e Vander Loubert (PT-MS). E nenhum ainda foi julgado.

Um estudo da Faculdade Getúlio Vargas – Rio de Janeiro (FGV-RJ) aponta que nos últimos cinco anos apenas 1% dos casos com foro privilegiado julgados no STF terminaram em condenações. “A taxa de condenação em si não é um problema. A questão é que em dois terços dos casos o Supremo não analisa o mérito do caso”, afirma Ivar Hartmann, coordenador do projeto Supremo em Números, que analisa o desempenho da corte, e professor de Direito da FGV-RJ. Ele explica que na maioria das vezes o tribunal declina de analisar o caso “em função de perda de mandato do réu”, ou então “o crime prescreve”. “Estatisticamente há um grande desperdício do trabalho do Supremo”, conclui.
Cientes da lentidão nos processos que tramitam no STF, alguns ministros da Corte já defenderam reduzir a abrangência do foro privilegiado. Segundo estimativas da PGR, no total mais de 22.000 autoridades no Brasil inteiro têm o direito de serem julgadas na Corte. Em fevereiro o ministro Luís Roberto Barrosocriticou esse mecanismo, e defendeu que ele seja limitado apenas para crimes cometidos “no exercício da função”. “É possível reduzir o problema representado pelo foro privilegiado por uma interpretação restritiva do seu sentido e alcance”, afirmou.
Já o ministro Fachin foi além, e disse que o foro privilegiado é “incompatível com o princípio republicano”. O ministro afirmou que o STF precisa se debruçar sobre o tema, e avaliar se mudanças no mecanismo podem ser implementadas à partir de uma nova interpretação da Corte sobre o tema, ou se é preciso que se aprove uma Proposta de Emenda à Constituição no Congresso.
No Senado e na Câmara uma eventual redução do direito ao foro privilegiado encontra resistência ferrenha. O líder do Governo no Congresso, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ele próprio citado por vários delatores, chegou a dizer que “se acabar o foro, é para todo mundo (...) suruba é suruba (...) não existe uma suruba selecionada”. Posteriormente ele se desculpou pelos termos usados na declaração. 
No ano passado o ministro Gilmar Mendes barrou a nomeação de Lula para assumir um ministério no Governo de Dilma Rousseff, alegando “desvio de função” – no entendimento do magistrado a indicação tinha como objetivo dar ao ex-presidente direito ao foro. No início de fevereiro, Moreira Franco, homem forte de Temer e citado na Lava Jato, foi alçado ao cargo de ministro. Partidos da oposição questionaram a indicação, que foi mantida pelo ministro Celso de Mello.
A aparente morosidade do STF contrasta com a agilidade com que os processos tramitam nas mãos do juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos casos de réus sem direito ao foro privilegiado. No total, Moro já sentenciou 25 réus pelos crimes de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro entre outros. Hartmann, da FGV-RJ, afirma que não é correto comparar o andamento dos processos nas diferentes instâncias. “A vara da Lava Jato em Curitiba é excepcional, não é representativa do que são as varas de primeira instância no país”, diz, mencionando o fato de que Moro atua “apenas julgando os casos dessa operação”, o que “não existe em outras varas do país”.

O ministro Fachin já alertou que não pretende fazer uma análise “açodada” das delações, antes de determinar se retira o sigilo das mesmas. Por ora, os advogados da Odebrecht entraram com um pedido na Corte para que os vídeos dos depoimentos de seus funcionários não seja tornado público, para evitar represálias.