sábado, 2 de dezembro de 2017

A Invasão falso-moralista da "ideologia de gênero" campeia o interior do Brasil





















Por Gilmar Dantas

Vi esses textos de leis nas redes sociais! Isso é verdade, meu povo de Quixadá e Apodi? Caso seja... perguntas: Qual a função do Legislativo Local (Câmara de Vereadores)? Quanto à Temática “Gênero e Sexualidade” e sua abordagem na Escola, sobre o que poderiam os vereadores legislarem?

Observem que os textos das leis de ambas as casas legislativas são praticamente iguais! Pertenceriam eles à alguma espécie de corrente partidária, de algum movimento ideológico articulado e com ramificações em várias pontos do país?

Como duas casas legislativas, do interior de dois Estados da Federação, foram movidas a legislar, com os mesmos termos, acerca de algo tão específico?

Esses projetos de lei foram demandados pelas populações destas duas cidades por estarem acometidas pela mesma “urgência” de resposta a algum caos social causado por seus respectivos sistemas de ensino?

Por que esse “caos social” e a labuta dos vereadores nestas duas cidades se agudizaram neste mês de Novembro?

Muita sincronia entra as realidades dos dois municípios neste momento!

Mas, dada a necessidade de resposta urgente ao “problema” nos sistemas de ensino das referidas cidades, consideraram o fato muito importante e seus vereadores se dispusessem a debater a matéria. Contudo, se a matéria de que tratava os projetos de lei (debatidos e aprovados nestas duas casas legislativas) versava sobre “Currículo” e sobre a gestão do mesmo nos sistemas de ensino, esses vereadores (com auxílio de seus respectivos assessores, por nós financiados... e muito bem pagos!) deveriam se debruçar sobre a Legislação a que Estados e Municípios estão subordinados, segundo o pacto federativo! A Saber:


BRASIL. Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o parágrafo 2º do art. 36 e os art. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 abr. 1997. p. 7.760.

______. Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o parágrafo 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Revoga o Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997. Brasília, DF, 23 de julho de 2004.

______. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. ARROYO, Miguel Gonzáles. Indagações sobre currículo: educandos e educadores: seus direitos e o currículo. Brasília, 2008.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 ago. 1998a.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer n. 15, de 1 de junho de 1998. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 1998b.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, 2002a.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Brasília, DF, 2002b.

______ Ministério da Educação. Orientações curriculares do ensino médio. Brasília, DF, 2004.

______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 1, de 3 de março de 2005. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais Definidas pelo Conselho Nacional de Educação para o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de nível médio às disposições do Decreto n. 5.154/2004. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 mar. 2005.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2000. 

______. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (Lei nº. 9.394/96). Diário Oficial da União. Brasília: pp.27.941-27.841, de 23/12.

______. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Parecer nº. 5/2011). Brasília, 2011.


Após esse “passeio” pela trajetória legislativa que “cerca” o currículo ou os currículos neste país, vereadores (secundados por seus assessores) poderiam ter observado que dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), da década 1990, às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), do mesmo período e alcançando todas as suas revisões até as de 2013 aparecem alguns termos, recheados de conceitos para as facetas da realidade escolar no que tange o currículo! Ora, se quero eu legislar sobre “currículo” terei como dever de casa, básico, revisitar todos esses documentos (leis federais, decretos, resoluções, pareceres), para, em seguida, elaborar um projeto de lei que mantenha a consonância com o fluxo legislativo que “regulam” os sistemas de ensino.

Dessa “cascata” de leis bebemos conceitos como: “competências”, “habilidades”, “componente curricular”, “flexibilização” curricular, “formação integral”, “contextualização” de conhecimentos, “transversalidade”, “autonomia”, “formação para a cidadania”, “formação para o trabalho”!

Sem sequer nos atermos à exposição de tais conceitos, é possível depreender que as leis municipais aprovadas não dialogam com os mesmos. Ou melhor, não há nenhuma alusão à estas dimensões, pois todas elas invalidam essas leis!

Por sinal, se “indagarmos” ao texto de tais leis sobre fragmentos dele próprio não será possível achar um “objeto” sobre o qual a legislação tentou incidir. Vamos aos fragmentos:
1) O que é “Ideologia de Gênero”?

2) O que é “grade de ensino”? “Grade curricular”?

3) E desde quando Ideologia de Gênero passou a ser uma disciplina? As Disciplinas Científicas e Escolares estão definidas em qual documento? Quantas delas existem em cada uma das etapas da Educação Básica?

4) E se todas as “disciplinas” tangenciarem as discussões sobre Gênero, nestas cidades não haverá mais disciplinas escolares nos currículos de suas escolas? Quais serão os elementos de seus currículos? Por que diretamente discutem gênero e sexualidade (orientação sexual): Língua Portuguesa, Ciências do Ensino Fundamental e Biologia do Ensino Médio, História, Filosofia e Sociologia!

5) A Lei se lança ao combate de uma prática social que parece pretender “extinguir o gênero masculino e ou feminino com o gênero humano”! São quantos movimentos que a Lei quer combater? Um que deseja destruir o gênero masculino e outro que pretende destruir o masculino e o feminino e, ainda, um outro que quer acabar com ambos os gêneros? É possível acabar os gêneros masculinos e femininos “com o gênero humano”? Então, estas cidades já perderam essa batalha, uma vez que o existência do “gênero humano” por si só aniquila os gêneros masculino e feminino! Assim sendo, não há mais necessidade de se lançar uma lei para preservar os gêneros, dada a existência do “gênero humano”!

6) No Art. 3º da lei anuncia-se: “Revogam-se as disposições em contrário”! Como serão revogadas nestas cidades a Constituição de 1988, LDB e as DCN? Não há como suspender diretrizes sobre “contextualização” do currículo para significar os conhecimentos à vida dos educandos, orientação sexual e conhecimento sobre identidade de gênero é um dos elementos dessa contextualização e da “formação integral” dos nossos jovens!

7) Se “sexo”, “sexualidade” e “identidade de gênero” são vivências a que todo ser humano está destinado a experimentar, como a escola ofertará uma “formação integral”, que abrange a “formação para a cidadania”, competências sociais como “respeito”, “tolerância”, espaços sociais divididos solidariamente entre todas as “diversidades” que compõem o meio social? Como serão “educados” os jovens dessas cidades quanto à essas “matérias”!

8) A “Educação Integral” é um Direito estabelecido em toda a “cascata” legislativa citada. Antes, porém, da última pergunta, retomemos o topo da pirâmide legal: A Constituição! Sobre a Educação ela determina: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Pleno desenvolvimento da pessoa permite excluir estudos sobre a sexualidade humana e sobre identidade de gênero?

9) Como será implementada essa legislação municipal tomando em consideração essas contradições entre a Lei local e os documentos de âmbito nacional?

10) Qual a “substância” das proibições impostas que permite aos “fiscalizadores” identificar e reprimir as “práticas pedagógicas” proibidas?


Vemos, por mais este feito, a máquina pública ser utilizada para o desenvolvimento de ações completamente inócuas, desnecessárias e desconexas em relação às reais necessidades de melhorias sociais para as nossas populações. Os entes municipais capilarizam, por meio de ações desse tipo, todo o despropósito em que vem se tornando a nossa gestão pública do executivo federal, bem como o desserviço que nos legam os parlamentares do Congresso Nacional!
Tempos difíceis!

Meus pêsames aos cidadãos desses municípios que hão de digerir o “desentendimento” que é uma lei como esta que foi aprovada!